Por Flávio Palhares*

A ascensão das apostas online, conhecidas como “bets”, tem remodelado os padrões de consumo no Brasil, com impactos que vão além do entretenimento e afetam setores industriais, como o de embalagens. O redirecionamento de recursos financeiros para as apostas, especialmente entre as classes de baixa renda, reduz o poder de compra para bens de consumo, comprometendo a demanda por produtos que dependem de embalagens.
Crescimento das apostas e seus impactos econômicos
O mercado de apostas online no Brasil tem experimentado um crescimento exponencial. Segundo estimativas, o setor movimentou cerca de 100 bilhões de reais em 2023, representando aproximadamente 1% do PIB brasileiro, com projeções indicando que pode alcançar 700 bilhões de reais até 2028. Entre junho de 2023 e junho de 2024, os brasileiros gastaram 68 bilhões de reais em bets, equivalente a 0,95% do consumo total no período. Esse volume é impulsionado pela facilidade de acesso a plataformas digitais e pela promessa de ganhos rápidos, atraindo principalmente as classes C, D e E, onde 79% dos apostadores pertencem a esses grupos e 86% estão endividados. Dados do Banco Central revelam que, em agosto de 2024, beneficiários do Bolsa Família gastaram 3 bilhões de reais em apostas via Pix, evidenciando o desvio de recursos de necessidades básicas.
Esse aumento nos gastos com apostas tem causado uma redistribuição no orçamento familiar, com impactos diretos no consumo. Pesquisas apontam que 63% dos apostadores comprometeram parte de sua renda principal com bets, sendo que 23% deixaram de comprar roupas, 19% reduziram compras em supermercados e 11% deixaram de pagar contas. Além disso, 15% dos apostadores já deixaram de quitar contas para financiar apostas, e 18% tornaram-se inadimplentes por isso. Essa dinâmica reduz a renda disponível para bens de consumo duráveis e não duráveis, afetando setores como varejo alimentar, vestuário e higiene, todos dependentes de embalagens.
O mercado de embalagens e a pressão do consumo reduzido
O setor de embalagens no Brasil, avaliado em cerca de 166 bilhões de reais anuais, segundo a ABRE – Associação Brasileira de Embalagem, é altamente sensível às flutuações no consumo de bens como alimentos, bebidas, cosméticos e produtos de limpeza. A produção de embalagens, que inclui materiais como papelão ondulado, plástico, vidro, aço e alumínio, está diretamente ligada à demanda por esses bens. Quando o poder de compra diminui, a compra de produtos embalados também cai, impactando a cadeia de fornecimento de embalagens.
Entre 2018 e 2023, os gastos com apostas subiram de 0,8% para 1,9% do rendimento das famílias, enquanto os gastos com vestuário e calçados, setores que utilizam embalagens secundárias como caixas e sacolas, caíram de 3,5% para 3,1%. No varejo alimentar, 19% dos apostadores reduziram compras em supermercados para financiar apostas, e 27% comprometeram renda destinada a itens essenciais. Essa redução se traduz em menor demanda por embalagens de alimentos, como latas, potes plásticos e pacotes cartonados. Além disso, a Confederação Nacional do Comércio (CNC) estima que as bets geraram um prejuízo de 117 bilhões de reais ao varejo em 2024, com uma queda potencial de até 11,2% na atividade varejista, afetando diretamente a produção de embalagens.
Paralelo entre apostas e poder de compra
O aumento dos gastos com apostas está intrinsecamente ligado à redução do poder de compra. Enquanto a renda familiar é redirecionada para as bets, setores essenciais enfrentam retração. Por exemplo, a consultoria Strategy& Brasil aponta que os gastos com apostas triplicaram no orçamento doméstico entre 2018 e 2023, passando de 0,2% para 0,7%, representando 38% dos gastos com lazer e 4,4% dos gastos com alimentação. Essa substituição de gastos essenciais por apostas leva a um “downgrade” nas compras, com consumidores optando por marcas mais baratas ou reduzindo o volume de produtos adquiridos, o que diminui a necessidade de embalagens sofisticadas ou de maior volume.
A inadimplência também agrava o cenário. A Confederação Nacional do Comércio relata que as bets colocaram 1,3 milhão de brasileiros em situação de inadimplência, comprometendo ainda mais a capacidade de consumo. Com menos dinheiro circulando no varejo, a demanda por bens de consumo diminui, reduzindo a produção de embalagens e impactando toda a cadeia, desde fabricantes de matérias-primas até convertedores e distribuidores.
Perspectivas e desafios
A regulamentação das bets, iniciada com a Lei 14.790/2023 e reforçada por portarias do Ministério da Fazenda em 2024, busca mitigar os impactos negativos, como o endividamento e o vício, com medidas como a proibição de crédito para apostas e restrições à publicidade. No entanto, a regulamentação não elimina o desvio de recursos do consumo para as apostas, especialmente entre as classes mais vulneráveis. Para o setor de embalagens, a recuperação dependerá da retomada do poder de compra, que exige políticas públicas voltadas à educação financeira e ao controle rigoroso das apostas.
Em resumo, a febre das bets no Brasil, ao drenar recursos do consumo, reduz a demanda por bens que impulsionam o mercado de embalagens. A combinação de gastos crescentes com apostas e a consequente queda no poder de compra cria um ciclo de retração econômica que desafia a indústria de embalagens, exigindo adaptações para um cenário de consumo mais restritivo.