O envelhecimento da população, há tempos monitorado pela indústria de bens de consumo, deve finalmente ter mais influência no desenvolvimento de embalagens
Por Marcos Palhares*
Há muitos anos escuta-se que uma das grandes tendências para o desenvolvimento de embalagens é atender o consumidor que envelhece. Trata-se, afinal, de um grupo enorme de pessoas que, ao se distanciarem da juventude, passam inevitavelmente a percorrer uma trajetória de redução gradativa das aptidões físicas, condição que deveria ser considerada nos novos projetos de packaging voltados a esse público.
Apesar de frequentemente citada por quem monitora os rumos do mercado de consumo, tal recomendação quase não se materializa nas gôndolas (ao menos no campo das embalagens), e essas pessoas às vezes encontram no manuseio de embalagens desenvolvidas para “o adulto médio” desafios quase insuperáveis. A combinação de menor força e destreza nas mãos com uma visão mais combalida pode dificultar (muito) o dia-a-dia desses indivíduos em atividades tão banais quanto ler as instruções de uso de uma mistura para bolos ou abrir uma garrafa de água mineral.
Mesmo com tecnologia de embalagem à disposição, a indústria de bens de consumo pouco faz para dar mais conforto a esse importante público consumidor. Só que o jogo deve mudar. De acordo com projeções demográficas da ONU, o número de pessoas com 65 anos ou mais, hoje estimado em 600 milhões (ou 8% da população mundial), deve chegar a 1,1 bilhão em 2035 (algo perto de 13% dos habitantes que então ocuparão o planeta).
Com as taxas de natalidade em baixa e a expectativa de vida crescendo em boa parte do globo, a participação desse grupo populacional na estrutura demográfica vai aumentar, ao menos no mundo ocidental. O Japão, por exemplo, país com a população mais envelhecida do mundo, deverá chegar, em 2035, a uma proporção de 69 pessoas com 65 anos ou mais para cada 100 adultos com idade entre 25 e 64 anos. Na América Latina, a expectativa é de que, no mesmo ano, esse número chegue em 27 (em 2010 era 17). Em outras palavras, esse grupo de consumidores passará a ter peso muito grande para que continue sendo ignorado.
Mas desenvolver embalagens para pessoas com mais idade não é exatamente uma tarefa fácil. Ninguém gosta de ser tratado como “idoso”, e admitir dificuldades pode parecer sinal de fraqueza, o que talvez faça com que muita gente ainda aceite sofrer em silêncio com esse descaso. Por não ser um conjunto de pessoas que pode ser abordado de forma muito explícita, a não ser em produtos claramente destinados ao público grisalho (mesmo assim com muita elegância), uma regra básica é não desenhar embalagens “especiais para idosos”. O segredo é retirar da experiência de consumo as barreiras impostas pelas limitações físicas, enaltecendo o ganho de conveniência – algo útil também para o consumidor médio. Tampas maiores e com melhor pega são apostas óbvias, mas vale lembrar que a existência de alguma dificuldade na abertura ajuda a transmitir a sensação de inviolabilidade da embalagem. Selos de vedação e lacres, contudo, poderiam perfeitamente auxiliar nesse sentido.
Outro desafio específico é viabilizar a leitura de um volume crescente de informações em espaços cada vez menores, para pessoas com menor capacidade de visão. Expandir os painéis de frascos e redesenhar cartuchos a fim de aumentar o facing da embalagem, e consequentemente a área utilizável para impressão, são alternativas simples que não necessariamente incorrem em aumento de custos (a não ser com moldes, facas e outras matrizes, que, apesar de serem relevantes, também existiriam em qualquer mudança ou lançamento de formato de embalagem). Rótulos especiais (peel-off, booklets ou rótulos-bula), recursos interessantes e ainda pouco utilizados, seriam boas soluções.
O problema, como sempre, é conciliar essas demandas com as metas de custos. Nesse ponto, vale sempre lembrar que as economias devem ser buscadas obsessivamente até o ponto em que não alterem significativamente a percepção de valor necessária para o posicionamento de cada produto ou marca. Mirar os consumidores que chegam ao outono de suas vidas, dedicando-lhes embalagens que os libertem das dificuldades físicas no manuseio de seus produtos preferidos, pode ser a oportunidade de uma nova primavera para as marcas.
* Marcos Palhares é diretor da revista EmbalagemMarca. Formado em Administração pela FGV e pós-graduado em Gestão Estratégica de Embalagem pela ESPM, é mestre em Administração pela FEA/USP e MSc em Pesquisa de Administração pela Universidade de Oxford (Inglaterra). É professor do Istituto Europeo di Design.