Embalagens para quê?

Varejo a granel, que começa a ganhar força
em outros países, pode estimular reflexões
para a cadeia de distribuição mainstream

Por Guilherme Kamio

joe-christian-ingredients2

É curioso como propostas para resolver problemas da vida nas grandes cidades evocam aparentes retrocessos. Para desafogar as ruas e diminuir a poluição, por exemplo, mais e mais pessoas defendem a renúncia aos automóveis e o uso da bicicleta. Em linha parecida, fortalece-se na Europa e nos Estados Unidos, em nome das reduções dos desperdícios e da geração de resíduos, a venda a granel de bens não duráveis. É esse o mote das mercearias do tipo “packaging-free” ou “zero waste”, em que produtos de primeira necessidade são oferecidos ao consumidor sem roupagens de fábrica, desprovidos de embalagens.

image1Grãos, cereais, massas e outros alimentos secos ficam armazenados em potes que funcionam como pequenos silos, dos quais o consumidor se abastece na quantidade que lhe convier. Os estabelecimentos recomendam que os visitantes levem utensílios ou embalagens usadas para fazer as compras. Desprevenidos podem acondicionar os produtos em sacos de papel pardo ou em embalagens retornáveis vendidas no local.

Surfam nessa onda empresas como Unverpackt e Biosphäre, na Alemanha; Effecorta, na Itália; a espanhola Granel; La Recharge, na França; Mass Greissslerei, na Áustria; e a In.gredients, dos Estados Unidos. São, em geral, negócios abertos por empreendedores jovens e cujo principal público-alvo são jovens sensibilizados com a sustentabilidade. O conceito é de varejo de conveniência sintonizado com valores de vanguarda.

Nessas lojas, embalagens não são execradas por tragar recursos naturais ou pelos danos ambientais que podem provocar per se, quando descartadas irresponsavelmente. O discurso é outro. Invólucros são apontados, antes de tudo, como um ônus dispensável. Os donos das lojas garantem que o consumidor obtém uma economia aproximada de 8% ao não arcar com as embalagens com que os produtos são habitualmente distribuídos.

Grãos da italiana Effecorta

Grãos da italiana Effecorta

Outro argumento é o de que invólucros concorrem aos desperdícios do conteúdo, por geralmente portarem quantidades acima da necessidade imediata dos consumidores. Nas lojas packaging-free é possível, por exemplo, adquirir apenas uma pequena porção – uma xícara, digamos – de farinha de trigo ou de rosca. Ou mesmo um único ovo – e não embalagens com seis ou doze unidades, como se convencionou vender tal produto. Frequentadores ouvidos por diversas reportagens internacionais enaltecem essa conveniência.

Pelo menos três abordagens jornalísticas que li sobre o assunto ressaltam que, lá fora, profissionais de marketing de indústrias de alimentos estão atentos ao fenômeno. É um reconhecimento de que, na medida em que surge para atender a carências e a problemas associados ao modelo hegemônico de distribuição, o varejo a granel pode estimular a geração de ideias para aprimorar o próprio comércio mainstream. Elas comprovariam, no mínimo, a pertinência para soluções que permitissem maior flexibilidade nas compras. Por que não apostar em embalagens fracionáveis? As próprias marcas líderes não poderiam lucrar com sistemas bulk?

Ainda que o varejo packaging-free evite expressar um libelo ecológico contra as embalagens, não quer dizer que quem o prestigia não o faça por restrições quanto ao passivo ambiental da concepção e do manejo pós-consumo de garrafas, envoltórios, frascos e companhia. Por isso, convém continuar a procura por tecnologias sustentáveis para a obtenção de invólucros.

A seu favor, os fabricantes dos chamados CPGs (Consumer Packaged Goods, ou bens de consumo embalados, em tradução livre do inglês) têm a visão prevalente na comunidade científica de que embalagens, quando projetadas e utilizadas adequadamente, podem mitigar desperdícios – e não o contrário. Contam, ainda, com o fato de os moradores das metrópoles estarem acostumados com a compra de produtos distribuídos desde as fábricas em recipientes e envoltórios. Como se sabe, velhos hábitos são difíceis de mudar.

Guilherme Kamio é jornalista e editor executivo de EmbalagemMarca.

COMENTÁRIOS