Por Wilson Palhares (*)
Nos dicionários e na literatura, luxo é geralmente descrito como ostentação, magnificência, superfluidade, quando não como símbolo de vaidade tola e de desprezo às dores da Humanidade. Afinal, com tantas necessidades de que a espécie humana padece, a busca por objetos de desejo, como podem ser classificados os produtos de luxo, não demonstraria egoísmo, insensibilidade social? Mas o conceito de luxo – ou produto premium – como em geral é entendido e sobre o qual se quer refletir neste artigo vai além da satisfação de necessidades básicas.
Do ponto de vista da produção industrial, pode-se dizer que luxo é o resultado da utilização de recursos que, somados, diferenciam como melhor um artigo concorrente de outros, similares. Em outras palavras, significa valor adicionado ao longo da cadeia produtiva e evidenciado quando esse artigo é observado e de alguma forma considerado como “único”, “exclusivo” ou, no mínimo, “excepcional”.
É aí que se insere a importância da embalagem. Na sociedade de consumo, em que o aspecto visual das coisas prepondera de forma cada vez mais esmagadora, os produtos precisam realçar sua superioridade frente aos produtos concorrentes, ao mesmo tempo em que precisam ser superiores e trazer ao consumidor alegrias adicionais que os similares “comuns” não trazem.
Ao consumir, as pessoas buscam, sempre que possível, alcançar alguma coisa que vá além do essencial, algo que se pode descrever como “experiência”. Quem o consegue diferencia-se da maioria que fica no patamar, ainda que não queira cultuar tal situação (geralmente quer). Enfim, “dá-se a um luxo”. Nem por isso um quilo de feijão, por exemplo, se apresentado num pacote ou num estojo requintados, será visto como artigo de luxo. Produtos assim, que podem ser definidos como premium, para ficarmos na categoria dos alimentos, são o caviar, o paté de foie gras.
Quem consome esse tipo de produtos está demonstrando a si mesmo (e a outras pessoas, se os serve com eles) uma forma disfarçada de poder. Sim, pois indo-se ao extremo pode-se dizer que luxo é sinônimo de poder, o qual se exerce pela força, que por seu turno se expressa muitas vezes na ostentação. Ou, mais do que locais e instrumentos de liturgias e cerimônias, catedrais, mesquitas, palácios, coroas e tronos cravejados de pedras preciosas – o luxo levado ao extremo – não constituiriam expressões de poder, mais do que locais e instrumentos de liturgias e cerimônias? No fundo, em seu às vezes rebuscado refinamento, o mobiliário, as roupas, as joias e as louças antigas que hoje atraem multidões a museus da Europa e do Oriente foram, além de formas de prazer e de arte, símbolos de poder a seu tempo.
“Dinamismo distributivista”
O certo é que ao longo da história o luxo foi privilégio das classes dominantes. Por serem fabricados artesanalmente e em geral com materiais raros, joias e outros artigos preciosos que simbolizam luxo sempre foram inacessíveis às faixas das populações destituídas de força e de poder aquisitivo.
No entanto a história e a produção são dinâmicas. O resultado social de se produzir luxo não ficou apenas naquela deformação. O prazer dos poderosos pela posse de objetos luxuosos significou, na caminhada humana, o estímulo à criatividade e ao avanço do conhecimento e à sua apropriação social por maior número de pessoas. A cada volta da espiral da história, o domínio das técnicas de fabricação veio tornando acessível a camadas antes marginalizadas a posse de objetos de desejo vetados a gerações anteriores. Adornos e utensílios de vidro dezenas de séculos antes ostentados como joias exclusivas de faraós e sacerdotes, passariam a enfeitar casas de operários e dedos de camponeses em anos menos remotos. Até pouco tempo atrás, no Brasil, viajar para a Europa ou tomar champagne era privilégio de poucos. Continua sendo, mas esses poucos, os “happy few”, são muitos mais, o que permite que se defina isso (com o pedido de perdão pela licença poética) como “dinamismo distributivista”, ou “democratização do luxo”.
Como alinhar-se com a vanguarda
A chamada “popularização dos produtos premium” é perceptível, talvez mais que em outros segmentos de consumo, na área de cosmética e perfumaria. Graças a avanços tecnológicos, a seguidas conquistas da química e à criatividade de técnicos e designers a indústria da beleza é uma das mais pujantes em muitos países, entre eles o Brasil. Mas um xampu, ainda que seja bom, ou uma deo-colonia estão longe de poderem ser classificados como produtos de luxo “para valer”.
Luxo pode ser simples, mas é sempre caro e, por isso mesmo, é reservado aos poucos que, por terem recursos, podem dele usufruir. A maioria das pessoas sequer sonha em consumir trufas ou caviar, ou em possuir anéis de brilhante, automóveis Bentley. Porém, provavelmente todos desejarão conseguir o crème de la crème naquilo que estiver ao alcance de suas posses. Fica então combinado que se está falando de “luxo popular”, rótulo que abrange um aspecto muito positivo: a oferta maior de mercadorias superiores às apresentadas em tempos anteriores e que se situam na vanguarda do mercado. Situar seus produtos nessa faixa deve ser meta obrigatória para empresas que pretendem superar a concorrência e progredir sempre.
Mas como distinguir o que é melhor quando a tecnologia nivela sem parar a qualidade dos produtos? Não há outro caminho senão o da diferenciação pelo acréscimo de valor, do reforço dos atributos que tornam um artigo mais atraente que seu concorrente. Tais atributos, porém, precisam ser percebidos pelos consumidores. São eles:
– a qualidade intrínseca superior;
– a tradição da marca, que simboliza essa realidade;
– a embalagem, que deve proclamar esse conjunto de virtudes perante o consumidor.
Difícil, como se sabe, é encontrar o ponto de equilíbrio. O que é, afinal, uma embalagem de luxo? A mais cara? A que apresenta design mais rebuscado? Ou será que, ultrapassando os limites do necessário e da elegância comedida, a embalagem não se transformará, exatamente, num monumento ao mau gosto? Pior ainda, pode vir a ser um monumento caro, que levará o potencial comprador do produto a ponderar se o valor pedido compensa o que está recebendo em troca. Considere-se que a característica premium dos objetos não reside necessariamente em custo elevado, mas muitas vezes na simplicidade. A embalagem de um artigo de alto valor pode ter (geralmente tem) design elegante, simples, limpo e nem por isso ser “cara”.
Tome-se o clássico exemplo do frasco de perfume Chanel nr. 5 ou o da garrafa de vodca Absolut. São embalagens extremamente elegantes, de luxo por seu acabamento apurado, por seus excelentes sistemas de fechamento, por sua esmerada decoração. No entanto, se fosse necessário definir esses dois recipientes com uma só palavra, alguém teria outra que não fosse “simples”? Há tantos anos fazendo sucesso no mercado, seriam “velhas”, “ultrapassadas”?
A rigor, o êxito fenomenal desses dois exemplos se deve a uma simbiose, em que a embalagem transfere valor à marca e vice-versa. Eles constituem o que se poderia chamar de “embalagem ideal”, na medida em que mantêm absoluto equilíbrio entre o que prometem e o conteúdo que entregam. Considere sempre que em qualquer projeto, mas sobretudo quando se trata de artigos de luxo, a embalagem não pode desmentir o valor do conteúdo, nos estritos parâmetros de “nem tanto ao céu, nem tanto à terra”. E não se iluda: no complexo mundo da produção, isso não é tarefa para gênios solitários. A pedra de toque é envolver nos projetos todos os agentes da cadeia produtiva e utilizar o talento, os materiais e demais recursos de embalagem disponíveis para transformar o produto em objeto de desejo e traduzir isso através de sua marca. É tema para ser tratado num próximo artigo.