Cuidados devem ser tomados ao criar-se marcas e imagens, para dar-lhes proteção jurídica
Por Cristiane Manzueto*
Artigo publicado na revista EM+3
Corriqueiramente, nós consumidores identificamos produtos a partir do seu conjunto de características peculiares: cores, formatação das embalagens, elementos figurativos, tipo de letra e outros elementos. Ainda, somos capazes de identificar determinado estabelecimento empresarial pelo seu conjunto visual/arquitetônico (externo e interno) – como é o caso da rede Mc Donald’s, Outback, dentre outras e, até mesmo, por aspectos sensoriais, como a fragrância utilizadas no interior de lojas (Aviator, Melissa, dentre outras).
Essa identificação de um produto ou estabelecimento muitas vezes ocorre antes mesmo de identificarmos sua marca ou o nome do local (título de estabelecimento).
Este aspecto conjuntural com características peculiares visuais e sensoriais abrangentes de um produto ou estabelecimento é conhecido como trade dress. Trata-se de um valioso ativo na angariação de clientela, pois além de agregar aspecto decorativo o trade dress passa a desempenhar papel identificador, permitindo ao consumidor apontar, de imediato e precisamente, para o fabricante e o produto/serviço que deseja, identificando as suas qualidades, características, antes mesmo de avistar a própria marca nele aposta.
Em linhas gerais, o trade dress pode ser definido como a roupagem/aparência total de um produto ou estabelecimento, a partir de características peculiares: combinação de cores, tamanho, textura, gráficos, enfeites, desenhos, embalagens, formato de letras, características particulares de vendas, aspectos sensoriais, dentre outros.
Para trazer o tema mais próximo da realidade compreendendo o poder desta ferramenta na mente do consumidor, vale indicar alguns exemplos de trade dress, que se tornaram verdadeiros ícones, no segmento de restaurantes e alimentícios. Como se verifica, mesmo se o elemento nominativo aposto em cada foto fosse tampado, o consumidor/clientela saberia identificar exatamente o estabelecimento ou produto em questão:
Contudo, é preciso ter em mente que não é todo ou qualquer trade dress que é passível de exclusividade contra terceiros, eis que dependerá do seu grau de distintividade em determinado segmento mercadológico, ou seja, do seu poder de individualização em determinado segmento de mercado, justificando, assim, os gastos em inovação e na sua proteção contra terceiros que visem pegar carona em tal ativo.
Pelo seu poder de angariação de clientela, há diversas empresas concorrentes pegando carona em determinadas características de trade dress criado por terceiros, acreditando que pequenas diferenças (artifícios) seriam capazes de afastar a violação do trade dress.
Tanto é assim que as ilustrações abaixo parecem não fazer parte de casos reais tamanha a semelhança do conjunto-imagem dos produtos. Mas, acreditem, todos foram objeto de conflito, seja extrajudicial ou judicialmente.
Em uma gama de opções de linhas, elementos figurativos, combinações de cores, há realmente diversas empresas que tentam pegar carona na fama e no prestígio construído por terceiros, a partir da imitação de determinadas características, em flagrante ato de concorrência desleal (competidores diretos no mesmo segmento mercadológico).
Apesar de não existir, no Brasil, dispositivo legal específico que proteja o trade dress, os atos de violação do conjunto-imagem são coibidos por meio da aplicação: (i) do art. 5º, inciso XXIX, da Constituição Federal, que determina que “a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos…” e (ii) das regras de proteção à concorrência, notadamente os artigos 2º, V e 195, III, da Lei da Propriedade Industrial (“comete crime de concorrência desleal quem: II – emprega meio fraudulento para desviar, em proveito próprio ou alheio, clientela de outrem”). Sendo certo que a empresa que se sentir violada poderá pleitear indenização quanto à imitação de seu trade dress por terceiro.
Há casos, também, em que terceiros não atuam no mesmo segmento mercadológico, mas imitam o trade dress já afamado em outro segmento mercadológico. Nesse contexto, como veiculado na Internet, interessante destacar a imitação de famosos trade dress presentes em produtos alimentícios e utilizados ao longo de anos, que foram apropriados por terceiros para uso em produtos capilares:
Sem dúvida, além de violação de ativo de terceiro, da prática de aproveitamento parasitário, as empresas podem causar sérios danos à saúde do consumidor. Afinal, e se alguém deixasse estes frascos que lembram a maionese, ketchup ou o fermento em local inadequado e algum desavisado ou uma criança viesse a consumi-lo?
Nesses casos, ainda que não houvesse confusão dos produtos – o que não é impossível de se imaginar, como acima exposto, o infrator – no mínimo – se aproveitaria dos esforços empreendidos pelo criador do conjunto-imagem copiado, visando a facilitar o reconhecimento e a venda de seu bem no mercado.
Esta associação indevida também gera, portanto, desvio de clientela e, assim, é igualmente considerada prática anticoncorrencial, gerando o dever de indenização ao titular do trade dress.
Inúmeros conflitos se instauram quando terceiros imitam o aspecto conjuntural de um produto ou estabelecimento com o objetivo de desviar clientela alheia. Na prática, verifica-se que as decisões proferidas pelos tribunais brasileiros envolvendo disputas de trade dress são dotadas de alta carga de subjetividade e ainda não observam de forma consistente os pressupostos da concorrência desleal e certos requisitos objetivos que viabilizem a sua proteção, tais como: (i) distintividade x verificação de código de mercado e (ii) atitude diligente do criador do trade dress, dentre outros.
Quanto ao primeiro item, importante sempre observar se determinado conjunto imagem é capaz de individualizar determinado produto/serviço em determinado segmento de mercado. Há que se observar, no caso concreto, se determinadas características configuram código de mercado, como, por exemplo, a combinação de cores branco, verde e vermelho em embalagens de açúcar.
Em determinados ramos de mercado estão sujeitos à convivência de seus produtos com outros de conjuntos visuais similares, pela repetição de elementos de uso comum, que fazem parte de um código de categoria de determinado segmento de mercado.
Quanto ao segundo item, a inércia do titular frente a violações de seu trade dress e o resultado de tal postura também precisa ser analisada em um conflito envolvendo trade dress. Afinal, se a empresa que inovou em determinado trade dress se mantiver silente frente a possíveis contrafatores, poderá vir a permitir a diluição de seu trade dress, ou seja, o desgaste da sua imagem a partir da permissão pacífica de diversos outros produtos com conjunto-imagem semelhantes, como ocorreu com os produtos “leite de rosas” e Veja (linha multi-uso).
Trade dresses únicos e absolutamente distintivos são merecedores de um amplo escopo de proteção.
Ao contrário dos Estados Unidos, onde se permite o registro de trade dress, no Brasil, para viabilizar a sua proteção, é bastante recomendável aos empresários que providenciem o depósito de seus ativos intangíveis (marcas mistas, marcas tridimensionais, marcas figurativas, marcas com reivindicação de cores, desenhos industriais, dentre outros), no INPI. Tais registros são relevantes na obtenção de liminares judiciais, muito embora os conflitos de trade dress sejam solucionados pela lei brasileira nas regras de concorrência desleal.
Vale ressaltar que o conflito de trade dress tem como foco a apuração da semelhança dos produtos/estabelecimentos no conjunto e não no detalhamento das diferenças.
Diante da importância do trade dress, conclui-se que o planejamento da aparência de um produto ou serviço deve ser feito com cautela e encarado como uma poderosa ferramenta competitiva, um verdadeiro ativo intangível, tão relevante quanto a marca, tendo também um papel decisivo para a sua individualização perante terceiros. O consumidor, ao se deparar com determinado trade dress, já tem em sua mente a referência de qualidade de determinado produto/serviço. Para tanto, os empresários devem ser diligentes e inovadores quando da criação do trade dress, com o intuito de alcançar uma eficaz proteção jurídica.