Governo publica decreto sobre tratamento da logística reversa de embalagens de plástico
Conjunto de ações, procedimentos e meios prevê que as embalagens plásticas usadas não virem lixo e retornem ao ciclo produtivo
Indústria se posiciona e destaca pontos positivos e negativos do decreto

Em decreto publicado nesta terça-feira (21/10), o Governo do Brasil institui o sistema de logística reversa de embalagens de plástico sob a responsabilidade dos fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes, conhecido como Decreto Nacional dos Plásticos. A partir do documento, o governo estabelece os modelos de operação, institui a estruturação e implementação, além de definir as obrigações que deverão ser assumidas pelas empresas responsáveis.
Entre as soluções que poderão ser adotadas estão pontos de entrega voluntária; coleta seletiva; ação de cooperativas, associações e organizações de catadoras e catadores; pontos de beneficiamento; unidades de triagem; unidades de fabricação de resina; comercialização de embalagens de plástico pós-consumo; campanhas de coleta; e a concessão do Certificado de Crédito de Reciclagem de Logística Reversa – CCRLR, do Certificado de Estruturação e Reciclagem de Embalagens em Geral – CERE e do Certificado de Massa Futura (Decreto 11.413/2023).
Para a implantação do serviço, as empresas poderão fazer de forma individual ou em modelo coletivo, de forma que o funcionamento seja estruturado e gerenciado por entidade gestora. O decreto prevê ainda que as empresas deverão desenvolver campanhas educativas e informativas, estimular a devolução das embalagens retornáveis e divulgar o resultado das ações realizadas anualmente.
O decreto define como objetivos gerais:
- Aprimorar a infraestrutura e a logística de recolhimento de embalagens plásticas.
- Direcionar as embalagens recolhidas para cadeias produtivas de reciclagem.
- Incentivar o uso de insumos com menor impacto ambiental.
- Estimular embalagens reutilizáveis, recicláveis, retornáveis e com conteúdo reciclado.
- Promover mercados e consumo de produtos feitos com materiais reciclados.
- Fortalecer cooperativas e associações de catadores, melhorando condições de trabalho e infraestrutura.
- Fomentar a cultura do reaproveitamento por meio de campanhas e educação ambiental.
- Incentivar modelos produtivos baseados na economia circular.
Fabricantes de produtos e de embalagens plásticas devem, obrigatoriamente, cumprir metas de uso de conteúdo reciclado; priorizar a contratação e o fortalecimento de cooperativas de catadores; garantir o transporte das embalagens coletadas para cooperativas, recicladores ou comércio de recicláveis; reutilizar ou reciclar as embalagens retornadas e, se não for possível, dar destinação ambientalmente adequada aos resíduos.
Conforme a legislação e normas dos órgãos competentes, fabricantes e importadores devem dar destinação ambientalmente adequada aos rejeitos da triagem das embalagens plásticas. A responsabilidade por essa destinação não pode ser transferida às cooperativas ou outros operadores da logística reversa, salvo mediante contrato específico. O Ministério do Meio Ambiente definirá, em até 90 dias, os requisitos e procedimentos técnicos para essa retirada.
Aos que descumprirem o decreto, serão aplicadas sanções previstas em lei, em especial na Lei 9.605, de 12 de fevereiro de 1998 (Lei de Crimes Ambientais).
Embora um decreto único e final que abranja todo o escopo do setor plástico ainda esteja em debate, as propostas governamentais giram em torno de três eixos principais:
Restrição ao uso único: Medidas para proibir ou desincentivar o uso de certos plásticos de uso único onde já existam alternativas viáveis (como canudos e sacolas plásticas em determinados contextos).
Incentivo ao PCR (Conteúdo Reciclado Pós-Consumo): Estabelecimento de metas progressivas para a incorporação de material reciclado nas novas embalagens, impulsionando a demanda por sucata e formalizando a cadeia de reciclagem.
Fortalecimento da logística reversa: Novas regras para aumentar a responsabilidade estendida do produtor e a eficiência dos sistemas de coleta seletiva e triagem.
A posição da indústria: sustentabilidade com competitividade
As principais associações da cadeia do plástico e da química defendem a necessidade de um avanço sustentável, mas alertam para os riscos de inviabilizar economicamente o setor.
Abipet (Associação Brasileira da Indústria do PET)
A Abipet representa o setor que possui a maior taxa de reciclagem no Brasil entre os plásticos (especialmente garrafas). A associação avalia de maneira positiva as diretrizes do decreto e diz que “o texto reforça uma série de diferenciais que as embalagens PET já possuem junto ao mercado”.
“Nas últimas décadas, a indústria do PET investiu centenas de milhões de dólares em tecnologia e no desenvolvimento de aplicações que geraram demanda para o material reciclado. Com isso, além das características técnicas inerentes à embalagem, temos um mercado já consolidado em termos de circularidade, que dá ao nosso setor uma posição de vantagem nesse momento”, afirma o presidente executivo da Abipet, Auri Marçon.
A partir desse desempenho, a entidade destaca os principais pontos positivos trazidos pelo decreto:
Representatividade dos catadores: o texto do Decreto mantém o viés social da reciclagem, contribuindo para o resgate de parcela importante da base da pirâmide social. Atualmente, 90% do PET pós-consumo chega à indústria de reciclagem através dos catadores, cooperativas e sucateiros. Esse elo da cadeia produtiva fica com 60% do faturamento de toda a atividade, o que equivale a R$ 5,66 bilhões.
Meta de reciclagem e de conteúdo reciclado em novas embalagens: além do alto índice de destinação adequada (53%), o PET é o único plástico que possui autorização da ANVISA para ser utilizado na fabricação de uma nova embalagem alimentícia, após a reciclagem. A circularidade do material faz com que 49% de todo o PET reciclado já esteja sendo aplicado em uma nova embalagem, utilizada principalmente pelas indústrias de água, refrigerantes, energéticos e outras bebidas não alcoólicas, dentro de um sistema conhecido como bottle to bottle grau alimentício. Para os usuários, esse desempenho já permite atender à mais importante meta do decreto, que é a utilização de material reciclado na composição de uma nova embalagem. A meta exigida começa em 32%, a partir de 2026, chegando a 50% em 2040.
Prioridade a materiais com menor impacto ambiental: a Abipet investiu recursos no desenvolvimento de um estudo que segue o que há de mais atual quando o assunto é a avaliação de toda a cadeia de valor para a produção de uma embalagem. A Avaliação de Ciclo de Vida do PET (ACV do PET) mostra que o PET é a melhor opção do ponto de vista ambiental para o envase de água, refrigerante e óleo vegetal, na comparação com o vidro, alumínio e aço. Os detalhes desse estudo podem ser conferidos neste link.
Responsabilidade dos importadores: empresas que trazem produtos embalados do exterior – ou importam embalagens – deverão cumprir as exigências de logística reversa, o que vai proporcionar equilíbrio de atribuições com as companhias que operam exclusivamente com base industrial no Brasil.
Para a Abipet, o Decreto dos Plásticos também contém pontos de atenção e até mesmo dispositivos que, em vez de trazer equilíbrio entre os elos da cadeia de valor, contrastam com princípios originais da Política Nacional de Resíduos Sólidos. A responsabilidade da logística reversa, que na regulação original era dividida entre consumidores (descarte adequado), poder público (coleta) e indústria (destinação e reciclagem), agora recai mais intensamente sobre a indústria produtora da embalagem.
“A operacionalização da logística reversa prevista no novo decreto traz atribuições desequilibradas, uma vez que a indústria fica com a responsabilidade de coletar, transportar, reciclar, dar a destinação final ambientalmente adequada, além de investir em educação ambiental e comunicação. Responsabilidades relativas à coleta seletiva pública, que a PNRS delegou originalmente ao poder público, não foram cumpridas nos últimos 15 anos e agora estão sendo repassadas às empresas”, destaca Auri Marçon, presidente executivo da ABIPET.
A entidade argumenta que, nas últimas décadas, a falta de uma política pública consistente de coleta seletiva impede que as embalagens descartadas pelos consumidores tenham uma destinação correta. “Como resultado, as empresas recicladoras chegam a atuar com uma ociosidade de até 40%, por não terem a matéria-prima necessária para seus processos produtivos”.
Por fim, de acordo com a Abipet, o decreto ainda não deixa claro como ficarão as embalagens que não possuem viabilidade técnica e econômica para a reciclagem e talvez precisem de instrução normativa específica para essa finalidade.
Abiplast (Associação Brasileira da Indústria do Plástico)
Representando a indústria de transformação, a Abiplast defende a neutralidade tecnológica e contra proibições prematuras. A associação tem uma postura que equilibra o apoio à sustentabilidade com a busca por inovação e por um ambiente de mercado justo.
A entidade avalia que o Decreto representa um avanço importante ao reforçar o compromisso do país com a logística reversa e a economia circular. A existência de metas de recuperação e de conteúdo reciclado é um sinal positivo de que há um direcionamento estratégico.
De acordo com Paulo Teixeira, presidente executivo da Abiplast, ainda há lacunas significativas que demandam maior definição regulatória, especialmente quanto à responsabilidade compartilhada prevista no decreto. “As obrigações dos fabricantes de embalagens e dos fabricantes de produtos embalados em plásticos foram equiparadas no texto, mas deveriam estar mais claramente delimitadas e detalhadas. O fabricante de produtos — que é o usuário das embalagens — tem o controle sobre a distribuição de seus produtos, o que torna necessária uma diferenciação clara entre as responsabilidades de cada elo da cadeia. Sem esse detalhamento, há risco de sobreposição de informações e até de dados, o que pode gerar insegurança jurídica e operacional”, avalia o dirigente.
Segundo ele, outro desafio será a adaptação da cadeia produtiva à obrigatoriedade de conteúdo reciclado, que exigirá reestruturação de cooperativas, recicladores, fabricantes e usuários. “O setor reconhece que esse processo será gradual, assim como ocorreu com a logística reversa. O tempo é que vai dizer como essa cadeia vai se organizar, como foi para a logística reversa no começo”, afirma.
A nova regulamentação estabelece metas progressivas para a inserção de conteúdo reciclado em embalagens plásticas comercializadas no Brasil, iniciando com um índice de22% a partir de janeiro de 2026, com avanço gradual até alcançar 40% em 2040. A ABIPLAST entende que essas metas representam um importante avanço para o setor e para a gestão de resíduos no país, promovendo a valorização da reciclagem, a rastreabilidade dos materiais e o fortalecimento de toda a cadeia envolvida, incluindo recicladores, transformadores e consumidores.
Com o intuito de oferecer segurança jurídica às empresas que produzem resinas e produtos com conteúdo reciclado, e de colaborar com a comprovação do conteúdo reciclado nas embalagens utilizadas por fabricantes de produtos embalados em plásticos, a ABIPLAST e a ABDI – Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial estruturaram o RECIRCULA BRASIL. A plataforma, que já integra o conjunto de soluções que o MDIC disponibiliza à sociedade, está pronta para atender governo e empresas na comprovação do percentual de material reciclado presente em produtos e embalagens plásticas.
“Além de oferecer rastreabilidade e transparência, a iniciativa, que conta com verificador de resultados homologado pelo Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, contribui para o fortalecimento do compliance setorial, estabelecendo uma régua única de comprovação para toda a cadeia produtiva. Dessa forma, evita-se que cada empresa adote metodologias próprias, promovendo padronização, credibilidade e comparabilidade dos resultados” complementa Teixeira.
Como representante do setor de transformação e reciclagem do plástico, a ABIPLAST reafirma seu compromisso com a sustentabilidade e seguirá atuando de forma colaborativa com o governo, empresas e sociedade civil para aperfeiçoar a regulamentação, auxiliar na efetividade da logística reversa e promover um futuro mais circular, competitivo e sustentável para o Brasil.
Programa Recircula Brasil
O Recircula Brasil já realiza a comprovação de conteudo reciclado junto a diversas companhias e, até o momento, rastreou 304 fornecedores de resíduos ou resinas plásticas com conteúdo reciclado, localizados em 11 estados brasileiros, com destaque para Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Paraná e São Paulo. Do total de material inserido no sistema, 62,5% é proveniente do comércio atacadista, 14,8% da indústria de transformação e 4,3% de cooperativas.
A ferramenta também mapeou cerca de 1,5 mil clientes das empresas usuárias, distribuídos em 20 estados. Os transformadores de material plástico lideram o consumo de reciclados certificados (31,0%), seguido pelo setor industrial (28,0%) e construção civil (12,9%)..
O programa Recircula Brasil conta ainda com dois selos inovadores que fortalecem ainda mais a rastreabilidade e o uso de conteúdo reciclado. O Selo de Conteúdo Reciclado é voltado para marcas e indústrias que utilizam plástico reciclado em seus produtos, informando a porcentagem de material reciclado e permitindo que as empresas destaquem seu compromisso com a sustentabilidade, agreguem valor à marca e fortaleçam sua reputação junto aos consumidores e demais partes interessadas. Já o Selo de Rastreabilidade é direcionado a empresas recicladoras e transformadoras de plástico que buscam garantir e demonstrar a rastreabilidade de seus produtos, assegurando que a origem e o destino dos materiais plásticos sejam monitorados por meio da plataforma, promovendo maior transparência na cadeia de fornecimento, segurança jurídica e valorização dos resíduos.
Para Paulo Teixeira, a solução inovadora é fundamental para apoiar a indústria na transição para um modelo de produção mais sustentável e circular. “O programa não apenas oferece segurança jurídica e facilita a comprovação do cumprimento das metas legais, mas também valoriza as empresas que investem na rastreabilidade e no uso de material reciclado, promovendo competitividade e inovação no setor. Assim, além de auxiliar na conformidade legal, o Recircula Brasil impulsiona a construção de uma cadeia produtiva mais transparente, segura e alinhada aos princípios da economia circular”, reforça.
Abiquim (Associação Brasileira da Indústria Química)
Representando a indústria de base e produtora das resinas virgens, a Associação Brasileira da Indústria Química – Abiquim vê a medida como um marco decisivo para a construção de um modelo de economia circular baseado em responsabilidade compartilhada, previsibilidade regulatória e inclusão social.
A medida, alinhada à Política Nacional de Resíduos Sólidos, foi comemorada, pois estabelece, pela primeira vez, metas nacionais de reutilização e reciclagem para fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes, promovendo a reintrodução de materiais reciclados em novas embalagens e produtos. Até 2040, o Brasil pretende reciclar 50% e reutilizar 40% das embalagens plásticas, estimulando práticas produtivas mais sustentáveis em toda a cadeia.
Segundo a Abiquim, o decreto define claramente os papéis dos fabricantes de produtos comercializados em embalagens de plástico, dos fabricantes de embalagens e dos importadores, estabelecendo índices de recuperação e de conteúdo reciclado como referência obrigatória para a avaliação da eficiência do Sistema de Logística Reversa (SLR).
“O decreto representa um marco importante para tornar o sistema de logística reversa mais transparente, efetivo e alinhado às melhores práticas internacionais. Ele reforça a corresponsabilidade entre indústria, governo e sociedade, garante segurança para novos investimentos e valoriza toda a cadeia de circularidade, incluindo catadores e recicladores. O Brasil avança com um modelo que integra sustentabilidade, competitividade e inclusão produtiva”, afirma o presidente-executivo da Abiquim, André Passos Cordeiro.
Para a Abiquim, a implementação do SLR será realizada de forma integrada, contemplando pontos de entrega voluntária (PEVs), coleta seletiva prioritariamente com a participação de cooperativas de catadores, pontos de beneficiamento, unidades de triagem manual, semimecanizada ou mecanizada, unidades de fabricação de resina pós-consumo reciclada (PCR), comercialização de embalagens pós-consumo, campanhas de coleta e certificações como o Certificado de Crédito de Reciclagem de Logística Reversa (CCRLR), Certificado de Estruturação e Reciclagem de Embalagens em Geral (CERE) e Certificado de Massa Futura.
A operacionalização do SLR seguirá etapas claras: os fabricantes devem considerar aspectos de economia circular, como reciclabilidade e durabilidade; consumidores devem descartar embalagens retornáveis separadamente; comerciantes e distribuidores armazenarão temporariamente as embalagens descartadas; e importadores e fabricantes serão responsáveis pelo transporte das embalagens até cooperativas, sistemas de triagem ou recicladores. O beneficiamento das embalagens incluirá lavagem, retirada de impurezas e preparação para reenvase ou reciclagem, garantindo a destinação final ambientalmente adequada.
A Abiquim destaca que o avanço regulatório cria bases mais sólidas para inovação tecnológica, ecodesign, ampliação da reciclagem e atração de investimentos para soluções de circularidade no país. “O decreto fortalece a indústria nacional, estimula a competitividade e garante que a transição para a economia circular seja efetiva, justa e inclusiva para toda a cadeia produtiva. É uma medida estratégica para sustentabilidade, desenvolvimento econômico e social do Brasil”, conclui André Passos Cordeiro.


