Acessibilidade nas prateleiras do mercado

Priscylla Nunes*

Quando a gente cria um rótulo é muito comum pensarmos primeiro (ou até exclusivamente) no visual desse produto. Se está bonito ou não. Mas será que é só isso que importa?

De fato, é muito importante que o rótulo chame atenção do shopper, já que, segundo Lincoln Seragini, “a embalagem precisa ter um ‘imã’ que atraia a atenção do consumidor.” Sabemos que a velocidade de decisão de compra é muito rápida e, por isso, o produto precisa realmente se destacar.

Mas, para além disso, também temos que nos preocupar com os outros pontos da cadeia dessa embalagem. Entender como o produto será disposto na gôndola, como será consumido e até mesmo, como será descartado, é tão importante quanto trabalhar o seu design.

*Priscylla Nunes, da Palp Studio, é designer de marcas e embalagens graduada pela UTFPR e pós-graduada em Embalagem FACAMP-SP. É co-autora do livro Rotubook, um guia de design de embalagem

Pensando nisso, separei os 4 principais itens que todo designer de embalagem deveria prestar atenção:

1 – Acessibilidade nas gôndolas

2 – Acessibilidade nos rótulos

3 – Acessibilidade no manuseio do produto

4 – Sustentabilidade/reciclabilidade

Hoje quero me aprofundar exclusivamente sobre a acessibilidade dos produtos nas gôndolas, um assunto ainda muito pouco explorado pelos profissionais da área.

Acessibilidade nas gôndolas

Talvez você nunca tenha parado para pensar nisso mas, se você for ao mercado hoje você vai encontrar os produtos na gôndola todos da mesma forma, distribuídos na forma horizontal – padronizado de acordo com o valor pago pelas marcas aos supermercados. Cada marca ocupa um degrau da prateleira. Algumas marcas ficam dispostas em lugares com maiores chances de aparecer (altura dos olhos) enquanto outras marcas menores ficam em locais de mais difícil acesso, como no alto das prateleiras.

Mas já parou para pensar que esses lugares de mais difícil acesso podem incapacitar o manuseio de pessoas em cadeira de rodas, por exemplo?

Para ficar mais fácil de entender, redesenhei um gráfico que a ABNT (NBR 9050) disponibiliza sobre o alcance manual de uma pessoa em cadeira de rodas.

Avaliando as figuras é possível perceber que a altura máxima que uma pessoa em cadeira de rodas consegue alcançar com o braço é de 135 cm, sem deslocamento de tronco. Ou seja, caso o consumidor nesta condição precise comprar algum produto das fileiras superiores ele não vai conseguir concluir a atividade sozinho e vai precisar pedir ajuda para alguém, perdendo sua autonomia no momento da compra.

Portanto, se você tiver alguma deficiência, problema de mobilidade ou até mesmo baixa estatura, você não terá acesso aos produtos das prateleiras superiores.

Embora este seja um assunto muito sério, pouco foi debatido sobre a acessibilidade interna dos supermercados. Um dos poucos artigos que conseguiram trazer uma abordagem neste contexto foi a publicação Wheelchair users as consumers: accessibility of supermarkets. Nesse artigo foram encontrados inúmeros problemas que uma pessoa em cadeira de rodas enfrenta nas gôndolas e vale a pena a leitura.

Mas então o que poderíamos fazer para melhorar a acessibilidade das gôndolas?

Pesquisando durante algumas semanas pude encontrar duas alternativas para esse desafio:

1 – Os mercados poderiam fazer uso de prateleiras mais baixas; ou

2 – Propor a verticalização dos produtos na gôndola.

Verticalização dos produtos

A verticalização dos produtos na gôndola poderia ser uma estratégia utilizada para organizar e exibir os produtos de forma mais eficiente e atrativa aos consumidores. Nessa abordagem, os produtos seriam dispostos em prateleiras verticais, empilhados uns sobre os outros, em vez de estarem colocados lado a lado.

Estava lendo esse artigo Alinhamento Vertical dos Produtos e este trecho me chamou bastante a atenção. O artigo dizia: “Devemos ter o bom senso que nossas gôndolas devem ficar bem apresentáveis, que os itens expostos devem ficar bem fáceis de distinção entre si. Que nossos clientes consigam se encontrar facilmente e encontrar todos os itens que procuram. Acredito piamente que o melhor desenho de gôndola é a verticalização. Esta maneira de expor os itens obedecendo verticais torna a leitura da gôndola pelos olhos dos clientes facilitada. Quando os produtos ficam simplesmente expostos sem obedecer a padrões tornam-se um emaranhado de rótulos e embalagens confusas”.

No artigo acima o autor estava falando apenas do visual das gôndolas, mas isso também facilitaria (e muito) a vida de deficientes físicos, idosos e pessoas de baixa estatura.

Veja esse exemplo comparativo abaixo. Duas gôndolas que vendem os mesmos produtos, mas com disposição de prateleiras de formas diferentes.

Neste outro modelo ilustrativo também conseguimos ver a diferença das gôndolas com uma simples mudança na disposição dos produtos.

Com os produtos organizados em pilhas verticais, é mais fácil visualizar as opções disponíveis de um mesmo item, facilitando a comparação de preços, marcas e características, permitindo que os clientes tomem decisões de compra mais informadas.

A disposição vertical tornaria a experiência de compra mais interessante e organizada, atraindo a atenção dos consumidores para os produtos expostos. Além disso, as gôndolas que possuíssem disposição vertical permitiriam o acesso a indivíduos de diferentes estaturas aos produtos, incluindo pessoas em cadeiras de rodas.

No Design essa composição pode ser chamada como Lei da Semelhança através das leis de Gestalt. Elementos semelhantes em cor ou forma tendem a ser agrupados pelo cérebro em uma só unidade. Isso faz com que objetos aproximados, apenas com uma característica semelhante, se unam aos olhos do consumidor. E essa percepção visual ajuda a gerar um maior conforto visual na mente do consumidor. O artigo sobre O que é Gestalt publicado pela Itamara Ferreira te ajudará a entender a importância de conhecer este princípio no Design.

Muito embora esta seja a solução mais indicada do que um emaranhado de rótulos e embalagens confusas soltas nas gôndolas, pouquíssimos supermercados adotaram a ideia. Seja pela dificuldade de dispor a quantidade de produtos que a verticalização exige (que poderia ser resolvida aumentando o número de frentes expostas ou fazendo uso de prateleiras mais baixas) mas também pela falta de conhecimento sobre o assunto. No caso de ser a segunda alternativa, este simples artigo pode ajudar. É importante conhecer as dores dos consumidores e nos colocar em posição de verdadeira empatia. Entender como eles pensam, as dificuldades e fragilidades que as tocam nos ajuda a sugerir soluções que realmente sejam eficientes em todo o processo da cadeia.

Indicações de leitura / estudo:

(Relatos de pessoas em cadeira de rodas encontrados durante as pesquisas)

  • ▶ ️ Neste vídeo encontrei o relato de uma pessoa em cadeira de rodas avaliando um supermercado com prateleiras acessíveis. Deixei o link para quem assistir.
  • 💻 Neste post encontrei a experiência que outra pessoa em cadeira de rodas encontrou em um supermercado.

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