Assertividade do blockchain no processo de logística reversa pós-consumo de embalagens

Por Renato Paquet

Renato Paquet é ecólogo e CEO da Polen – Solução e Valoração de Resíduos, além de Diretor-Presidente de Cleantechs da Associação Brasileira de Startups (ABSTARTUPS) e membro do Conselho de Competitividade do Sistema FIRJAN

A sigla ESG (Environmental, Social and Governance) está movimentando o mundo dos negócios. Frente a um cenário em que as boas práticas ambientais, sociais e de governança tem guiado decisões de investimento e risco, as empresas passaram a seguir um caminho mais sustentável e consciente, fazendo valer ainda mais o modelo de economia circular, que tem como pilares mais importantes, a redução, reutilização e reciclagem de materiais e energia. Na prática, o processo cíclico tem início no reaproveitamento de matéria-prima para produção, e depois segue a ordem de utilizar, reutilizar, refazer, e reciclar, voltando assim à etapa inicial da produção, fechando o ciclo da cadeia produtiva. 

Só no Brasil, no ano passado, fundos ESG captaram cerca de R$ 2,5 bilhões, segundo estudo da Morningstar e Capital Reset. Deste valor, mais da metade foi levantado por fundos criados há menos de um ano. Em outros países, o cenário não é diferente. De acordo com um relatório divulgado pela PwC, até 2025, 57% dos ativos de fundos mútuos europeus, ou cerca de US$8,9 trilhões, estarão aplicados em empresas que levam em consideração os critérios ESG em suas gestões. Mais do que isso, o estudo ainda aponta que, em um futuro breve, 77% dos investidores institucionais farão mais uso de  produtos ou serviços que sigam as práticas ESG.

O assunto também é cada vez mais relevante para o consumidor final. Segundo pesquisa realizada pela Union + Webster, a maioria dos consumidores brasileiros (70%) prefere produtos ou serviços de empresas declaradamente sustentáveis, mesmo que isso signifique pagar mais caro por eles. Isso mostra que a sociedade tem se importado mais com os impactos ambientais e sociais causados, modificando hábitos em relação a marcas consumidas e investimentos realizados. As empresas não devem pensar em gerar valor apenas para si, mas para toda a sociedade, com entregas claras e significativas.

Para acelerar essa circularidade, tecnologias como a blockchain, que permite rastrear o envio e recebimento de informações pela internet, tem sido cada vez mais aplicada a novas soluções apresentadas no mercado pela segurança que oferece. Diferente das bases com um único servidor, possui diferentes locais de armazenamento de dados e, com isso, dificulta os processos de fraude e roubo de informações na rede, além de permitir total transparência em documentos que comprovam a origem, destino e etapas da reciclagem de um determinado material, dando governança a todo o processo. 

Para a gestão, certificação e comprovação da reciclagem de resíduos, a tecnologia blockchain é um diferencial, trazendo maior rastreabilidade e transparência para as informações prestadas para a compensação ambiental e efetividade na comprovação jurídica para com os órgãos ambientais. Também permite que empresas e consumidores tenham acesso a todas as operações realizadas, principalmente nos processos de logística reversa de embalagens pós-consumo, ferramenta da economia circular, que consiste na coleta e encaminhamento até a reciclagem de embalagens de produtos após a realização do descarte pelo consumidor final. 

logística reversa pós-consumo, inclusive, é uma ótima opção para a redução da poluição e seus respectivos impactos na saúde humana e no meio ambiente. Ela representa um estímulo à reciclagem, redução na exploração da matéria-prima virgem e diminuição na emissão de Gases do Efeito Estufa (GEE), catalisadores do desequilíbrio climático.

Além disso, atende às práticas ESG, pois promove a neutralização do impacto ambiental causado pelos resíduos gerados pela sociedade. Através da regulamentação desse processo, é possível atender à legislação, revelando a transparência e a efetividade do ciclo de vida completo desses materiais, garantindo a governança de ponta a ponta de toda a ação de reciclagem. 

Empresas ficam em dia com os processos de logística reversa por meio das determinações da Política Nacional de Resíduos Sólidos (lei 12.305/2010) e do cumprimento de sua agenda. A lei estabelece um novo marco regulatório da gestão de resíduos no país ao reunir um conjunto de princípios, objetivos, ferramentas e diretrizes para a administração integrada e ambientalmente correta de resíduos sólidos. 

De fato, na área ambiental, o critério ESG que mais interage com o dia a dia das empresas que colocam produtos embalados no mercado é a Política Nacional de Resíduos Sólidos, que regulamenta diversos temas na cadeia da gestão de resíduos e traz aspectos muito fortes da economia circular. 

Um deles, a Logística Reversa de Embalagens em Geral, é regulamentado desde 2017 (DP 9177/2017), e traz para as indústrias a meta de neutralizar, ao menos, 22% das externalidades negativas de embalagens, cobrando que sejam comprovadamente re-inseridas ao ciclo produtivo, ou seja, recicladas. O decreto presidencial estimulou a regulamentação pelos órgãos ambientais de alguns estados brasileiros, como Mato Grosso do Sul (MS), São Paulo (SP) e Rio de Janeiro (RJ), que já preveem prazos para o cumprimento das obrigações ambientais.

Dentro desse contexto, uma das alternativas de melhor desempenho custo-efetivo é o crédito de logística reversa, gerado através de um processo seguro, transparente e auditável, que utiliza a tecnologia blockchain e permite a comprovação de toda a reciclagem, sem o risco de qualquer alteração nos documentos comprobatórios. A solução transforma as informações contidas nas Notas Fiscais Eletrônicas de venda de resíduos pós-consumo às indústrias recicladoras em ‘ativos digitais’, totalmente rastreáveis e impossíveis de serem clonados. Com isso, toda a cadeia da reciclagem se beneficia, não só pela extrema segurança dos dados, mas pela garantia da efetividade do crédito para o cumprimento da lei.

Os créditos de logística reversa funcionam como uma espécie de moeda digital que representa a reinserção de materiais recicláveis na cadeia produtiva, fazendo com que as empresas cumpram com a obrigação ambiental ao mesmo tempo em que ganham um ativo de posicionamento de marca pelo benefício trazido ao meio ambiente.

Para os próximos anos, espera-se das empresas modelos de negócios que apostam em inovação e sustentabilidade. O mercado está focado em melhores condutas ambientais, sociais e de governança, e muitos investidores estão colocando o conceito de ESG como fator decisivo na alocação de recursos. Assim como o mercado financeiro tem recompensado estratégias bem sucedidas de ESG, alguns acionistas já declararam que estão dispostos a pagar mais por empresas que seguem tais critérios de sustentabilidade.

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