Como fica o design de embalagens após a pandemia?

por Luís Bartolomei*

*Luís Bartolomei é sócio, CEO e head de criação da CBA B+G

Boa pergunta! Especialmente porque a pandemia ainda está por aí, brutalmente expressa ao nosso redor. No entanto, a partir da experiência da primeira onda, podemos traçar uma série de aprendizados DC – depois da COVID-19.

Em mais de 25 anos de experiência – e talvez pelos próximos 25 – acredito que nunca tivemos ou teremos um espectro tão grande de mudanças, em todas as esferas do desenvolvimento de design de embalagens. Mudaram ou mudarão os processos de desenvolvimento, as estruturas e modelos de negócios das agências especializadas e, principalmente, a relação do consumidor frente a embalagem, com algo em comum nessas três esferas: o impacto da transformação digital.

Na esfera dos processos, a onda transformacional começa no dia 17 de março de 2020. Deste dia adiante, implementamos uma série coordenada de ações que aceleraram mudanças de ao menos três anos em um. Nosso processo criativo, por exemplo, é um fenômeno de grupo e pressupõe uma interação extrema, onde em um único projeto haja inúmeras contribuições – não havendo sequer um deles, digamos, autoral ou individual. O ambiente no-touch imposto pela pandemia requereu, além da saturação do uso de nossas ferramentas colaborativas, o fomento de discussões criativas em alguns casos quase filosóficas, alimentadas por ideias sem o contato físico e sem a dança da leitura corporal, elementos muito presentes no ambiente criativo e no processo de desenvolvimento tradicionais. Como resultado, esses novos processos acabaram por criar um vetor importante para a geração de ideias laterais, menos viciadas e, portanto, mais inovadoras.

Na esfera estrutural e de negócios, não há ou haverá modelo clássico de agência de design com foco em embalagens possível. A embalagem sempre será um elemento de contexto que requer inúmeras habilidades além do desenho. Nos últimos 10 anos, vivemos na CBA B+G um processo de ampliação de nossas habilidades que culminaram em nosso reposicionamento justamente em 2020 – e lançado 3 dias antes do dia 17 – integrando design, inovação, pesquisa e branding em uma única proposta. E, com a aceleração imposta pela pandemia, a integração dessas estruturas de pessoas, pensamentos e pontos de vista nos fez rever o próprio modelo de negócio, em alguns pontos honestamente mesmo sem perceber. Processos ágeis foram implementados sem afetação ou modismo, mas por senso de sobrevivência e objetividade, com a eliminação de etapas e ganhos residuais importantes em cada fase. Vivemos também um processo de abertura com o entorno e a cadeia: grupos de trabalho dinâmicos, uma ainda maior interação com o consumidor, mentores, experts, fornecedores e concorrentes, e um nível mais interessante de colaboração entre as áreas internas. Ou seja, uma remodelação bastante significativa vs o modelo AC – antes da COVID-19.

Por fim, a esfera mais desafiadora: a das mudanças do consumo frente a embalagem, que como disse é um elemento de contexto. E o contexto mudou abrupta e rapidamente.

Todos nós, apaixonados, entusiastas ou executivos da cadeia do negócio da embalagem, conhecemos uma vasta literatura a respeito do tema. Em uma dessas abordagens, podemos compreender seu papel em diferentes ‘job to be done’, divididos em dois grandes grupos: o Físico – ligados a proteção, logística, a usabilidade, consumo, retorno, descarte e reciclabilidade – e um segundo grupo, o de Comunicação – ligado aos aspectos do ‘achar’, ‘compreender’, ‘escolher’, ‘converter a venda’ e ‘orientar o consumo’.

Calçando a pantufa do consumidor em quarentena, foram muitos os fatores de mudança. Nos aspectos físicos, o medo da contaminação, por exemplo, fez brotar soluções de menor contato ao ser carregado e a proliferação de alças e pegas diferenciadas. A maior presença em casa e a redução dos profissionais para trabalhos domésticos, seja pela redução do orçamento familiar ou também pelo medo da contaminação, fez com que nos déssemos conta, finalmente, da problemática do lixo, impulsionando projetos de redução de materiais e que garantissem retornabilidade ou reciclabilidade no descarte.

Apesar dos avanços no Físico, foi no grupo Comunicação que sentiremos a maior mudança. Com o crescimento do e-commerce, toda a lógica madura e estabelecida de encantamento para produtos de consumo massivo celebrada no trade físico – o chamado brick-and-mortar – se viu refém da monotonia e escassez de recursos de articulação visual e verbal no ambiente digital, seja ele nativo ou adaptado pelo canal tradicional. Como resposta a esta mudança, por exemplo, lançamos o modelo metodológico batizado de e-Pack, com o objetivo de repensar os formatos de estímulo ao shopper, mantendo o papel comunicacional da representação da embalagem, em um primeiro momento, e com um olho no futuro próximo e novas tecnologias, como o uso da realidade aumentada. O modelo surgiu da observação do e-commerce tradicional e das plataformas de entrega e mídia, todos igualmente participantes do processo de venda; além de considerar as diferenças entre os dispositivos usados – mobile, tablets e desktops – tendo como base quatro pilares: fundamentos de design, shopper marketing, conceitos de UX/UI e o uso de uma ferramenta de varredura do olhar – eyetracking. Por fim, e a partir da caminhada sob a perspectiva dessas 3 esferas, o design de embalagem pós pandemia se mostra tão desafiador e oportuno quanto as próprias mudanças dos hábitos de consumo. Revolucionado pelo digital e impulsionado por uma nova relação com a embalagem em si, ao mesmo tempo diferente física e digitalmente.

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